24/07/2010

Crónica da Carica: Os sisos



Os registos mais antigos da prática da odontologia datam de há 5000 anos, no Antigo Egipto. Os faraós tinham ao seu serviço dentistas e até já havia sido inventada uma receita de pasta de dentes. Muito mais tarde surgiram os "tiradentes", figuras que eram encontradas nas praças por quem precisava de retirar um dente, por vezes era mais uma função acumulada pelo barbeiro.

Paralelamente a estes, já existiam aqueles que se denominavam dentistas e que, através de constantes invenções, ajudaram à evolução da odontologia. Graças a estes últimos já não corremos o risco de nos colocarem uma tenaz na boca, e nos arrancarem três ou quatro dentes saudáveis, deixando o cariado.

Mesmo com todas as notáveis evoluções nesta área, uma mão basta-me para enumerar quem, dos meus conhecidos, não fica sem pinga de sangue só de pensar em ir ao dentista. E eu pertenço ao clube dos nada corajosos nesta matéria. De tal forma, que já nem me lembrava da data da minha última ida ao dentista.

Nos últimos anos devido a este meu medo, decidi confiar que um número diligente de escovagens diárias e uso de elixir me poupariam de males maiores. Mas desde que vi os meus vizinhos do lado, cinquentões, algo desdentados, um temor apoderou-se de mim e, quando o meu marido precisou de arranjar um dente, decidi arranjar coragem para ir com ele.

Após a primeira consulta de diagnóstico, saí feliz da clínica. Os meus dentes estavam em boas condições: cinco cáries, (nada de grave), algum tártaro que já desapareceu com uma limpeza, (algo que juro fazer sem falta de 6 em 6 meses a partir de agora), e por fim, arrancar os dentes do siso, (inclusos e que, por falta de espaço, foram fazendo pressão entortando alguns outros dentes). Também me aconselharam a usar aparelho, o que ao fim de cerca de um ano, me trará dentes absolutamente direitos e alinhados. Mas, uma coisa de cada vez...

Dia 13 saímos ambos radiantes, embora atordoados, com o sorriso imaculado que surgiu após a limpeza. Passado exactamente uma semana voltámos. Tentei preparar-me psicologicamente o melhor possível para alguém que iria arrancar os dentes do siso. O plano era esse. Torcer para que saíssem facilmente e retirar os quatro na mesma sessão, para só ter que passar uma vez pelo martírio da extração e da recuperação. E, pelo que fui lendo na internet, existem alguns que tiveram essa sorte.

Contudo, não foi o meu caso. Uma hora inteira de boca aberta, de olhos fechados, mãos cerradas a torcerem uma ponta da túnica com toda a força, lábios doridos da pressão dos instrumentos, paragens para mais uma anestesia e outra e outra. Todas as vezes em que tentava relaxar, respirar profunda e calmamente, fugir com a minha mente para outro lugar, eram constantemente frustadas por uma sensação que eu nem sabia ler como dor ou a horrível pressão de arrancar aquele malfadado dente do seu casulo. E depois ainda a busca pela raíz partida...

Mas o ser humano é fantástico na forma como se adapta a tudo. No próprio dia, e no dia seguinte, chorei, estava absolutamente arrependida de ter iniciado este tratamento, (pois que ainda faltam mais três sisos!), me custava horrores a trocar a compressa para estancar o sangue, jurava que ainda podia sentir as mesmas sensações de dor e pressão que senti aquando o procedimento, como se o meu corpo estivesse a fazer o luto por um membro perdido, as sensações de um membro fantasma.

Hoje, passados alguns dias noto que o meu espírito se vai levantando conforme vou sentido um milimétrico regresso à normalidade. É bom que assim seja, até porque na próxima terça-feira tenho consulta marcada, para retirar os pontos e quem sabe, arrancar mais um.

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