13/08/2010

Crónicas da Carica: Insuficiência Renal Felina

( Eros, Ulisses e Zeus)


Até este momento, tenho andado a adiar escrever sobre este tema - a insuficiência renal nos gatos. A adiar porque, mentalmente, ainda estou a tentar digerir esta coisa maldita que, não me deixou melhor alternativa que eutanasiar o meu gato Eros. A adiar, para ganhar tempo e alguma distância, porque não quero ficar linhas e linhas a divagar sobre a infinita dimensão do amor de um humano pelo seu gato, e desse gato pelo seu humano. Não que as histórias de amor, mesmo com um final triste, não tenham mérito, mas o objectivo desta partilha é outro.
Assim como eu, após receber o diagnóstico do Eros, corri para o computador à procura de informação, de pessoas com experiências semelhantes, também entendo que tenho o dever de continuar esta corrente.

Trata-se de uma doença que, não tendo cura, a esperança de um gato conviver com a mesma mantendo alguma qualidade de vida reside, acima de tudo, no facto de esta ser detectada o mais rapidamente possível. A quem me lê, o meu apelo é que não esperem que o gato mostre sintomas. Porque quando assim é, muito provavelmente será tarde demais. Por mais que eles protestem, e não gostem de ir ao veterinário, a melhor prevenção será sempre fazer um check-up anual, fazer uma colheita de sangue para ver como estão os valores de ureia, creatinina e fósforo. Acreditem que é a única forma.

Os gatos nunca se queixam. São maravilhosos a esse ponto. O próprio organismo tenta compensar qualquer deficiência. Quando por fim o animal se começa a mostrar apático, com perda de apetite e de peso, a beber demasiada água, o mais provável é que 75% dos rins já não funcionem.

O nosso Eros, durante os cerca de 6 anos que esteve connosco, foi sempre um gato bastante activo, mimalho, muito falador e brincalhão. Nunca nos deu motivos, também por alguma ignorância nossa, para desconfiar que padecia desta doença. Nunca associámos o seu gosto por beber água, que sempre teve, a nenhuma doença. Também porque nunca o vimos sem falta de apetite, ou a vomitar muito, ou sem ir ao caixote, ou qualquer outra coisa que nos alertasse.
Depois da tosquia deu para perceber que estava mais magro. Começou a ter alguma perda de apetite. De início nada de alarmante, até porque com as ondas de calor que já vivemos este Verão não seria de esperar outra coisa.

Subitamente, a perda de apetite tornou-se preocupante. Só queria água. Perseguia-nos até à cozinha. Miava quando abriamos a torneira ou o frigorifico. Sempre, sempre a pedir mais água. Comecei a dar-lhe os patés favoritos todos os dias. De cada vez que abria uma nova lata conseguia algumas lambidelas, mas nada de entusiasmante. Lá trincava dois ou três croquetes. Uma pálida visão do gato que corria de cada vez que ouvia abanar o saco da ração e, que comia como um alarve.

Fui aconselhar-me junto da veterinária. Sabendo o quão traumática é para eles cada ida ao veterinário, a luta para os enfiar na transportadora, o stress porque passam, fui sozinha. Voltei com uma bisnaga de Felovite II - uma pasta que é um suplemento vitamínico e mineral e que, deveria abrir-lhe o apetite e, com a advertência de o levar a uma consulta caso ele não voltasse ao normal num prazo de dois dias.
Obviamente não funcionou.
Passados os dois dias, ele estava mais apático: o gato que corria sempre para cima de mim mal me deitava no sofá e "amassava o pão" na minha barriga, preferia ficar deitado numa poltrona.

A 4 de Agosto lá fomos nós até à Clínica Veterinária. Embora ele resmungasse, consegui enfiá-lo na transportadora à primeira. Não era um bom sinal. Aquele gato costumava ter uma força muscular brutal que nos impedia de o forçar a qualquer coisa.
Já no consultório o primeiro exame foi a pesagem. Embora não fosse pesado há bastante tempo, a diferença era assustadora. O Eros já não pesava cerca de 5 quilos, mas sim 3,750.
As análises sanguíneas confirmaram o pior - insuficiência renal crónica.
A creatinina, (que é uma molécula química derivada do metabolismo muscular e eliminada exclusivamente pelos rins, daí valores elevados serem indicadores de insufiência renal), cujo normal seria encontrar-se entre 0.8 e 2.4 estava a 10.6 mg/dL.
A ureia, (outro indicador importante, porque é filtrada pelos rins), deveria situar-se entre os 16 e os 36, e estava de tal forma elevada que a máquina não conseguiu ler o valor exacto, apenas dar o indicador de que era superior 130 mg/dL.
O último indicador - o fósforo - deveria encontrar-se entre 3.1 e 7.5 e estava a 16.1 mg/dL.

Valores assim tão elevados indicavam não só insuficiência renal, mas sim um estado crónico da doença, ou seja, algo que deriva de uma situação já prolongada. Seria aguda, se tivessemos tido a sorte de despistar a doença no início.
Naquele mesmo minuto ficou decidido que o Eros ficaria internado, a soro, na esperança de se conseguir valores mais normais nas futuras análises. Igualmente, seria feita uma ecografia, que permitiria ver o estado dos rins. Nesta altura, a maior esperança residia no facto de que um rim estivesse suficientemente saudável para em conjunto com alimentação específica, (as rações renais), injecções subcutâneas frequentes de soro e mais alguns remédios lhe dessem mais uns anos de vida com qualidade.

Aproveitei para fazer à nossa veterinária todas as perguntas que me ocorreram. Perguntei-lhe o que fiz de errado, como poderia ter sido melhor guardiã e ter evitado este diagnóstico. Pelos vistos, a insuficiência renal atinge cerca de 80% dos gatos. Não se sabe exactamente porquê. A genética tem influência, é mais comum em gatos a partir dos nove anos de idade, mas pouco mais se sabe. No entanto, por ser tão comum, sabem com o que podem contar, quais são os casos que inspiram alguma esperança e os que não.
Mas nunca se desiste enquanto há o vislumbre de uma luz no fundo do túnel. Então lá ficou o Eros na enfermaria.

Nunca perdeu os traços da sua personalidade única e especial. Escondia a cabeça debaixo da caminha, ou de uma toalha, mas quando me via arrebitava. Sempre disposto a muitas festas e turras, a muitos beijos ruidosos na cabeça. A falta de apetite era mais um motivo de preocupação. Durante os dias que esteve internado, não o consegui fazer comer mais do que meia dúzia de pedacinhos de ração. Questionámo-nos se seria o stress de estar num ambiente estranho.

As segundas análises a 6 de Agosto foram animadoras. A creatinina, a ureia e o fósforo continuavam super elevados, (8.8; 121; 8.8), mas tinha havido uma descida. Segundo a veterinária era extremamente positivo havendo apenas estado dois dias a soro.
Nesse mesmo dia assisti à ecografia. Quis estar com ele para o manter mais calmo, e para obter a informação em primeira mão, sem esperas. O resultado foi negativo. A imagem de um rim normal e saudável deixa ver algumas ramificações. A imagem apresentada dos rins eram de duas massas amorfas, escuras, e isso significa que os orgãos não estavam operacionais, tinham ambos entrado em total falência.
A pouca esperança que restava dependia totalmente do Eros. Mais do que nunca era crucial que ele recuperasse o apetite. Não um bocadinho, mas totalmente. Era algo que não iria acontecer na enfermaria, porque aquele malandro até arranjava maneira de vomitar ou cuspir a pasta Renalzin usada para lhe baixar os níveis de fósforo.
Já nem a táctica de lhe esfregar paté no nariz funcionava, porque ele simplesmente deixava-se ficar sujo, sem se lamber.

Logo a 4 de Agosto, a veterinária falou-me sobre o transplante renal em gatos. Mal cheguei a casa pesquisei na internet sobre essa cirurgia. Aliás, todo o meu tempo quando não estava na clínica, era usado em casa a pesquisar sobre esta doença e as terapêuticas. Trata-se de uma intervenção bastante recente em Portugal. Caso seja já realizada no nosso país, (fiquei sem esta certeza), será no Hospital Veterinário Principal. O processo consiste em retirar um rim saudável de um gato dador e transplantá-lo para o gato doente, sem lhe retirar os rins em mau estado. O dador pode ser um gato da família, ou esta deve adoptar o dador.
Foi uma hipótese que eu e o meu marido colocámos de parte. Se por um lado, não nos parece justo retirar um rim a um gato saudável, ainda mais se a probabilidade de um gato padecer de insuficiência renal é tão grande e quase certa na velhice, estariamos dessa forma a ficar com dois gatos condenados, pois teriam ambos só um rim. Isto se o transplante fosse bem sucedido. Simplesmente sentimos que era muito errado fazer de Deus nesta situação, e encurtar a vida de um gato aparentemente saudável para estender um pouco a vida de outro.
A outra vertente é a económica. O transplante custa 10000 euros.

Como a clínica veterinária encerra aos domingos, fomos buscá-lo sábado à tarde. Na melhor das hipóteses esperávamos que, em casa, num ambiente familiar ele acalmasse e mostrasse apetite. Se juntarmos a isso a esperança de que injecções subcutâneas de soro bastante frequentes, continuassem a ter a mesma eficácia que o soro demonstrara ter, aí estava a nossa estratégia para vencer esta guerra.

Chegámos a casa munidos de Renalzin, saquetas de ração renal da Hills e da Royal Canin, paté renal da Royal Canin, seringa para dar Renalzin à força, saco de soro e muitas agulhas extra para lhe fazer a fluidoterapia.
A veterinária mostrou-me no consultório como aplicar o soro. Não deverá ser difícil para quem não tem um medo patológico de agulhas como nós. Basta colocar o saco do soro mais alto do que o gato para que o soro corra. Pegar numa prega de pele na zona das costas, mais ou menos entre as omoplatas, espetar a agulha que está colocada no tubo que liga ao saco do soro na prega com o cuidado de esta não passar de um lado a outro, ligar o soro e esperar até que o animal fique com um "saco", uma "mochilinha" cheia de soro nas costas. O objectivo é hidratar o animal, e fazer com que os níveis de fósforo, creatinina e ureia baixem.

Mal chegámos a casa, servi-lhe das duas rações renais. Ele comeu e bebeu, estava animado, embora magro e fraco. O irmão, Zeus, ou não o reconhecia ou sabia que algo estava muito errado com o Eros, então fugiu dele e bufou-lhe, até ao fim. Talvez seja um mecanismo de defesa, um instinto animal, a ostracização, a distância dos que acabam por não sobreviver.
Foi um castigo dar-lhe o Renalzin. A animação foi breve. Após aquela alegria à chegada, recusava-se a comer e a beber. O pior é que ele era atraído para a zona da comida, miava, mas cheirava o conteúdo das taças e continuava a miar. Mesmo com paté, leite para gatinhos ou a ração habitual que ele tanto gostava, o resultado era o mesmo.
Nessa mesma noite decidimos que o melhor seria levá-lo ao veterinário, logo na segunda feira, para o eutanasiar. O ano passado, em finais de Julho, o nosso Ulisses, que há anos vinha sofrendo de gengivite crónica e tinha que levar uma injecção de dois em dois meses, acabou por falecer em casa, depois de o trazermos do internamento, também a um sábado a tarde. Estava muito debilitado, com dificuldade em respirar e em mover-se. Se pudesse voltar atrás, teria exigido uma eutanásia muito antes de ele chegar aquele ponto. E foi uma lição que nunca esqueceremos, e um choque que nunca será totalmente ultrapassado.

Adoptar um animal é sinónimo de emoções e momentos nada menos que maravilhosos. Também encarreta dores de cabeça e dificuldades, mas nenhuma como esta. Optar pela eutanásia é difícil. É ter que ser racional num momento em que nos afundamos em emoções. No caso do Eros tratava-se de lhe conceder um fim compassivo, antes que maiores sofrimentos e dores surgissem. Era não querer vê-lo ser devorado pela doença. E, sendo a Insuficiência Renal uma doença progressiva e degenerativa, tinhamos a certeza que cada dia que passasse ele estaria notavelmente pior. Mantê-lo indefinidamente internado não seria a qualidade de vida que ele merecia. Isso seria cruel para com ele, e uma demonstração de egoísmo da nossa parte e não de amor.

Não foi uma decisão instantânea. Desde o primeiro dia que ele ficou internado, que as mensagens de uma amiga com o curso de auxiliar de clínica veterinária foram essenciais para acordar o meu lado racional, me colocar os pés na terra.
Avisou-me que em 10 anos nunca viu um gato sobreviver anos com esta doença, avisou-me que se lhe receitassem Lipocortinolo tinha chegado o momento de ele parar de sofrer, que não alimentasse muitas esperanças devido aos contornos da situação, e que estivesse atenta, porque a maioria dos veterinários, senão todos, tendem a aproveitar-se da falta de conhecimento das pessoas, para eles estudarem e nós pagarmos a conta.

Sei que tentámos tudo o que era possível numa situação cujo o triste fim seria inevitável. Enquanto internado fiz-lhe Reiki, brinquei muito com ele, para que se mantivesse positivo e nunca perdesse a vontade de viver, pois presumo que essa força seja tão importante na recuperação dos animais como é na dos humanos, rezei muito por um milagre.
Domingo foi o dia da despedida. Não o quis stressar com a toma de medicamentos. Para quê fazê-lo se não iria alterar o resultado. Quis apenas que ele tivesse um dia feliz. Só bebia água com gelo, então dei-lhe gelo todas as vezes que me pediu. Muito colo, mimos, abraços e beijos.

Quando chegou a manhã de segunda feira, dia 9, levantei-me muito antes da hora de abertura da clínica. Queria passar todos os momentos possíveis com o Eros. Continuava a pedir um milagre, um sinal qualquer do Anjo da Guarda. Quando liguei a televisão, parei casualmente num programa de história e a primeira coisa que ouço é: "o amor é maior do que a morte."
Não podia ser coincidência, porque coincidências não existem. O meu Anjo da Guarda usou a televisão para que me dizer aquilo que eu precisava ouvir para me trazer algum conforto e paz: "o amor é maior do que a morte".

Passava das onze e meia, talvez ainda mais próximo do meio-dia quando a veterinária confirmou que já estava. Estive sempre com ele, todos os segundos. Foi-se a olhar-me nos olhos. Não foi pacifíco, rápido e indolor como qualquer uma de nós, naquele consultório, naquele momento, tinha desejado mais que tudo. Ele estava stressado e hipotenso, logo foram precisas muitas tentativas, três patas e uma sedação, para se conseguir colocar o cateter.
A veterinária pedia-lhe desculpa. Eu fazia tudo por tudo para lhe dar o maior conforto possível.
"Há quem não queira assistir, quem não aguente". Mas era o mínimo que eu podia fazer. Adoptámo-lo e o irmão, ainda bébés. Levantava-me várias vezes durante a noite para o ensinar a comer sólidos. Era o meu menino. Arisco, só em mim procurava colo. Era o mínimo que poderia fazer, assumir o papel de sua guardiã, de sua mãe adoptiva, de quem o tenta confortar e lhe demonstra amor até ao último suspiro. Chorei, regressei a casa com os olhos inchados, mas em paz.

4 comentários:

Ministério disse...

Olá blogueiro,
É muito importante também incentivar a doação de órgãos e conscientizar as pessoas sobre a importância deste gesto de solidariedade.
Para ser doador de órgãos não é preciso deixar nada por escrito. O passo principal é avisar a família sobre a vontade de doar. Os familiares devem se comprometer a autorizar a doação por escrito após a morte. Divulgue a ideia e salve vidas!
Para mais informações: comunicacao@saude.gov.br

Meus Netos...Minha Fortuna!!! disse...

MINHA QUERIDA AMIGA

A FALTA DE TEMPO É MUITA! CONTUDO NÃO QUERIA DEIXAR PASSAR ESTA DATA TÃO SIGNIFICATIVA SEM DEIXAR O MEU CARINHO A MINHA AMIZADE E DESEJAR UM SANTO E FELIZ NATAL COM MUITA PAZ AMOR, SAÚDE E ALEGRIA NO SAPATINHO!

UM BEIJINHO DO TAMANHO DO MUNDO

VÓVÓ E AMIGA
CASSILDA

Unknown disse...

Olá, partilho contigo esta perda, tive um gato exactamente com a idade do teu que faleceu com irc tal como o teu e todos os passos foram muito parecidos, li o teu artigo e as lágrimas correram-me pela face, revivi tudo outra vez, obrigada pela tua partilha,e na verdade O Amor é maior do que tudo....eles continuarão sempre vivos no nosso coração
Bjs Isabel

Anónimo disse...

O meu gato teve o mesmo final. Tenho um familiar que é expert em felinos e alertou me. O veterinário do meu gato foi negligente pois nunca fez análises mesmo depois de ter perdido quase 1kg num ano. A ordem dos veterinários também. Quando o animal apresenta mais de 75% dos rins danificados durará pouco mais de 2 meses entre sofrimento e internamentos, logo devia ser expresso pela ordem aos vets a obrigação de informar os donos que a eutanásia é a melhor solução naquele momento. A doença renal crónica é altamente lucrativa, resmas de injeções e soro, colheitas e análises. Em 2 meses o meu pantufas levou mais de 80 gastamos cerca de 1000€. Vi animais saitem de cirurgias mais barato. Outro culpado associações de defesa de animais.

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