03/05/2011

Arte que se lê: "O estado em que estamos" de Luís Marques Mendes



Entre numa livraria, numa qualquer, e verá nos títulos que ocupam os escaparates um excelente indicador do presente estado do Mundo, do País, da Sociedade, do ponto em que se foca o pensamento e as preocupações das pessoas neste exacto momento.
Não é de estranhar que, no contexto social, político e económico em que nos encontramos, tudo o que não esteja relacionado com este seja passado para segundo plano.

Proliferam as biografias de figuras políticas, revive-se Abril em paralelismos com a comtemporaneidade, multiplicam-se as análises da situações, os livros de opinião e pontos de vista por parte de nomes da política e economia. A crise prova ser uma excelente oportunidade para quem escreve sobre a crise.

E é natural que este fenómeno aconteça. Pessoalmente, nunca senti tão grande necessidade de me informar, de ler, de absorver informação sobre estas temáticas.

Contudo, quando me vi confrontada com as imensas ofertas neste campo, confesso que me foi difícil encontrar um livro que atendesse plenamente às minhas necessidades.
Tinha que ser um livro que focasse a situação que vivemos no panorama nacional ao invés de se perder numa narrativa da crise enquanto fenómeno global.
Tinha que se afastar o mais possível de um discurso partidário, o que é imensamente complicado, visto que muitas das publicações que se encontram são, acima de tudo, discursos demagógicos, formas de um porta-voz partidário usar o livro como veículo propagandista para o programa defendido pelo seu partido político.
Por fim, tinha que ser coerente, apresentar dados e as fontes dos mesmos.

Acabei por optar pel "O estado em que estamos" de Luís Marques Mendes.
Atraiu-me especialmente pela capa, onde diz "a análise sem rodeios de um país em crise e das soluções para o resgatar". Eu, como pessoa sem afiliação partidária, (embora simpatizante de orientação mais à esquerda), céptica e desencantada quanto ao desempenho dos nossos políticos, senti-me naturalmente atraída pela possibilidade de alguém que conhecemos do exercício político finalmente se chegar à frente com a apresentação de propostas concretas, de soluções.
Pareceu-me ser um exercício interessante, verificar se aquela figura conhecida pela sua ligação com o PSD e eu própria, com ideias muito próprias quanto ao rumo que o país precisa tomar, encontraríamos pontos em comum ou seríamos definitivamente duas linhas paralelas.

Acabou por ser um exercício muito positivo. Sim, encontrei pontos de discordância. Encontrei mais pontos comuns do que aqueles que esperava, confesso. A escrita é clara, apresenta dados. Apresenta e disseca o que acredito ser a nova linha de pensamento do PSD. O que não é negativo. Aliás, todos os partidos deveriam comunicar claramente, de forma fundada, as suas crenças e estratégias, as suas soluções ao invés de se perderem em confrontos inter partidários.



Aqui fica um excerto:

"Lavar a cara dos partidos

Há anos que sustento que a escolha de candidatos a eleições - seja para a a Assembleia da República, seja para as Autarquias locais - deve ser feita na base de rigorosas exigências éticas. Afinal, a política deve ser um exercício de permanente compromisso com um código de valores, donde sobressaem a seriedade e a integridade.

Não me tenho limitado a dizê-lo. Eu próprio tenho dado o exemplo de praticar e fazer afirmar estes princípios. Em 2005, nas eleições autárquicas de então, tomei mesmo a decisão de afastar alguns candidatos, sabendo que corria o risco de perder algumas eleições.

Fi-lo para defender a ética e seriedade no exercício da vida política. Fi-lo com a convicção de que o poder pelo poder, exercido sem ética e sem obediência a um código de valores, não serve para nada. E fi-lo ainda com a certeza de que às vezes é preciso correr o risco de perder uma eleição para dar uma "pedrada no charco", desafiar a consciência colectiva e afirmar uma linha política.

Nesta linha de coerência, considero chocante para os cidadãos e uma vergonha para a democracia que o Parlamento, ao fim de todos estes anos, não tenha tido a coragem de aprovar a legislação que impeça que pessoas a contas com casos graves na justiça possam candidater-se a eleições.
A questão é simples de explicitar: pessoas acusadas, pronunciadas ou condenadas judicialmente por crimes especialmente graves (corrupção, peculato ou fraude fiscal, por exemplo) não têm condições de prestígio, credibilidade e autoridade para exercerem cargos políticos, gerirem dinheiros públicos ou representarem o interesse público. São maus exemplos para a sociedade e péssimas referências para a vida política. Têm uma imagem de credibilidade ferida de morte. Envenenam a atmosfera democrática. Revoltam os cidadãos e afastam-nos ainda mais da particiapção política.

E não se diga, como às vezes é vox populi: aquele não é sério mas faz obra! Considero isso um disparate degradante. Há felizmente muita gente na política que é séria e faz obra. A seriedade não é imcompatível com a capacidade de realização. Muito pelo contrário. A obrigação de quem dirige ou legisla é incentivar a seriedade. Nunca pode ser a de pactuar com a imoralidade, a ilegalidade ou a falta de escrúpulos.

Todos os partidos, em regra, subscrevem esta análise. Vários tomaram mesmo a iniciativa de apresentar projectos de lei para impedir candidaturas de cidadãos enquadrados nestas circustâncias, ou seja, as candidaturas de cidadãos a contas com casos graves na justiça.

Apesar disso, passam os anos, sucedem-se as eleições, terminam as legislaturas e nenhuma lei é aprovada. Mantém-se o clima de impunidade e o patrocínio de situações absolutamente imorais.

Mais grave ainda. O Parlamento acaba de aprovar um conjunto de leis de combate à corrupção, da iniciativa de vários partidos. Só que, uma vez mais, fez vista grossa a esta questão e deixou na gaveta projectos de lei para impedir a candidatura de pessoas com casos graves na justiça, não tendo tido a coragem de separar o trigo do joio.

Tudo isto é escandaloso. Tudo isto é uma afronta à decência política e à dignidade democrática, Uma vergonha. Num ano em que a República celebra 100 anos de existência, este comportamento fere gravemente os mais elementares princípios da ética republicana.

Só há uma conclusão a tirar: os partidos, todos eles, apregoam a credibilidade, mas não a praticam; falam de seriedade mas pactuam com a sua falta; disem defender o interesse geral mas acabam a proteger os amigos, os compadres e os enteados políticos; proclamam a transparência e a verdade mas decretam a política da mentira e do compadrio; são coniventes com práticas e comportamentos que incentivam a corrupção.

Esta crise de valores é séria e profunda. Ela está a minar gravemente a qualidade da democracia, a indignar os cidadãos, a cavar uma ruptura preocupante entre os eleitores e os responsáveis políticos.
Com a agravante de que os partidos são cúmplices desta degradação absolutamente intolerável.
É tempo de dizer BASTA."

in "O estado em que estamos", de luís Marques Mendes, matéria-prima edições

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