23/02/2008

Arte que se lê: "Os Gatos" de Fialho de Almeida


Embora me deixe, com um imenso prazer, deslumbrar com todo o tipo de manifestação artística, a literatura é-me marcadamente especial. Este gosto acompanha-me desde muito pequena e pelos vistos, não faz tenções de partir.

É com muito gosto que também aproveitarei para falar aqui nos livros que leio e, que me marcam, uns mais outros menos.

Começo, pelos "Gatos" de Fialho de Almeida, autor nascido na terra natal de meu pai - Vila de Frades, no Baixo Alentejo. Passaram muitos anos desde que li esta obra, mas o discurso mordaz do autor sobre a sociedade da sua época faz relembrar-me da mesma, também talvez por os pontos dignos de crítica da nossa sociedade não se terem alterado tanto assim nas décadas que nos separam.

Os Gatos:
"Ramalho Ortigão publicara as suas Farpas e o editor Alcino Aranha, aliciado pelo grande êxito que aquelas crónicas tinham obtido junto do público, convida Fialho a escrever um texto mensal de análise à vida portuguesa. Fialho aceita e, em Agosto de 1889, é publicado o primeiro panfleto. A reacção dos leitores é de tal modo positiva que depressa a publicação de Os Gatos passa de mensal a semanal. Até Janeiro de 1894, quando sai o derradeiro panfleto, reúne material que é depois publicado em seis volumes. Porquê este título – Os Gatos? Fialho explica-o no pórtico do primeiro panfleto: «Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato. Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes e terrível com agressores e adversários.» [...] Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato – isto é, o animal de trabalho, o animal de ataque e o animal de humor e fantasia – porque não escolhermos nós o travesti do último? É o que se quadra mais ao nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro>



«De feito, que sabem esses rapazolas aos vinte anos, com mesadas de família, cavaqueira amena nas repúblicas escolásticas da alta, tricanas prestes, paisagens remançosas, límpidos céus, horizontes musicais, e por toda a parte promessa de fortuna e silhuetas de salgueiros e monumentos históricos, que as baladas do rio melancolizam, as guitarras e as troças juvenescem dum evoé de vida imberbe - que sabem eles da grande vida martirizante dos que não podem voar por ter de pôr todos os dias a panela ao lume, e dos que tendo-se feito um nome, rebentam de martírio ignorado para o levarem intacto até ao frontespício d'um livro original?»



A todos ouço falar de Fialho como um crítico severo. Severo sim, mas pródigo no retrato que faz dos podres da sociedade em que vive. Exímio nas imagens literárias, na forma como que o gato que se intitula, afia as garras nos egos de muitos, uns mais ilustres outros menos, mas todos parte do retrato, caricatura da nação observada e analisada. Gosto imenso da sua linguagem, que não deixando de ser literária é igualmente algo visceral, honesta, afiada, que leva o leitor com a rapidez de uma seta à imagem que intencionalmente descreve.


Mais sobre Fialho de Almeida em http://www.vidaslusofonas.pt/Fialho.htm
(nota sobre o link acima colocado - Fialho de Almeida nasceu em Vila de Frades e não em Vilar de Frades como é apresentado)

Sem comentários:

Google