28/02/2008

Arte que se lê: "Mensagem" de Fernando Pessoa


Na rubrica "arte que se lê" é minha preocupação sublinhar a existência de autores e obras que a mim me cativam como leitora e, que na minha subjectividade, recomendaria a outros leitores.

De Fernando Pessoa, fascinam-me todos os seus múltiplos heterónimos, toda a obra e, prometo apresentar aqui mais algumas obras deste génio, pois este não se condensa num único post.

Inicio pela sua Mensagem, obra que considero de imperativa leitura, porque não importa quanto tempo passe pelas suas páginas, a sua essência será sempre actual. Adequa-se plenamente ao que se vive actualmente em Portugal, a dissociação entre realidade e a esperança/vontade que é impossível não sentir interiormente, fé na criação de algo mais luminoso.



O dos Castelos


"A Europa jaz, posta nos cotovelos:

De Oriente a Ocidente jaz, fitando,

E toldam-lhe românticos cabelos

Olhos gregos, lembrando.


O cotovelo esquerdo é recuado;

O direito é em ângulo disposto.

Aquele diz Itália onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apoia o rosto.


Fita, com olhar 'sfíngico e fatal,

O Ocidente, futuro do passado.


O rosto com que fita é Portugal. "


*

*

*

*



O Horizonte


"Ó mar anterior a nós, teus medos

Tinham coral e praias e arvoredos.

Desvendadas a noite e a cerração,

As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério

'Splendia sobre as naus da iniciação.


Linha severa da longínqua costa -

Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores,

Onde era só, de longe a abstracta linha.


O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esp'rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -

Os beijos merecidos da Verdade.




A Mensagem:


"O autor da Mensagem singulariza-se como um épico sui generis, introvertido, cantor, sem tuba ruidosa, de miríficas irrealidades. Escreveu o seu livro "à beira-mágoa", de olhos humedecidos, para expandir a "febre de Além" que atribui ao infante D. Fernando, para condensar em verbo poético o sonho de uma Índia que não há, por isso melhor. Ao Império português do século XVI não chamou ele "obscuro e carnal antearremedo"? O idealismo estreme, ocultista ou platónico, de alguns dos seus poemas líricos reduz o mundo visível a cópia grosseira do mundo invisível. Aqui sobre a terra "tudo é nocturno e confuso", tudo são projecções, sombras, fumo de um lume escondido; no outro mundo é que vivemos como almas. A Mensagem reafirma a cada passo a mesma repugnância pelo carnal, pelo que o sonho ou a loucura não redimem."

J. P. Coelho


"A Mensagem poderá ser vista como uma epopeia, porque parte de um núcleo histórico, mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis só adquire pleno significado dentro de uma referência mitológica. Aqui, serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra linguagem, se poderá chamar os esquemas ideológicos, ou as ideias-força desse povo: regresso ao paraíso, realização do impossível, espera do Messias… Raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.


Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a de um mito, numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história de uma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte de um mundo; morte que será seguida de um renascimento. Desenvolvendo-a como uma idade completa, de sentido cósmico e dando-lhe a forma simbólica tripartida - Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores , ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte: essa que conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia - o Quinto Império. Assim, a terceira parte é toda ela um fim, uma desintegração; mas também toda ela cheia de avisos, prenhe de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem à Luz: depois da Noite, e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã; estes são os Tempos.


Que mutação houve e que auscultou o poeta, na alma do seu povo? À era dos heróis, daqueles que percorrendo, sozinhos e únicos, o caminho da realização pessoal e colectiva, levando-a até ao fim através de perigos sem conta, se teria sucedido uma era de desistência e anulação pessoal, em que a esperança e a obra de realização, de salvamento, se transfere e projecta num super-eu nacional - o Desejado. É ele que trará a regeneração do povo; que pela sua aparição instaurará o tempo novo.


Depois da degenerescência do tempo antigo, Alcácer Quibir contará o fim de um ciclo de uma pátria, tal como o de um mundo, por um dilúvio, pela sua força renovadora e purificadora.
A vinda do Encoberto marcará o fim da história. Os cinco impérios são irreversíveis. Alcácer-Quibir é um acontecimento de valor religioso. E aí a morte de D. Sebastião assumirá o sentido da morte redentora de um deus.
Essa intrinseca identificação do poeta com a nação toma aqui no profetismo a forma do que assume em si, na sua pessoa, única e mortal, o destino de um ser colectivo, em todo o transcurso da sua existência. "

Dalila L. P. da Costa





Conheça mais sobre o autor e a obra em: http://www.prof2000.pt/users/hjco/Mensagem/ - fonte dos textos aqui apresentados.
Imagem: Fernando Pessoa fotografado por Severino Braga

Sem comentários:

Google